As boas faxinas

De tempos em tempos o espírito da organização - ou da reorganização - baixa em mim.
E é como se algo me possuísse. Quando me dou conta, já estou abrindo armários e tirando tudo o que vejo pela frente do lugar. Começo a fazer isso de forma impulsiva, sem nenhum planejamento e, num piscar de olhos, o maior caos já está instalado. Um cenário composto de gavetas abertas, caixas jogadas pela cama e uma infinidade de pilhas, de tudo o que se pode imaginar, espalhadas pelo chão. Quase um vislumbre do apocalipse.

Ao ver aquela bagunça toda tomando conta do meu espaço, nunca desanimo. Enxergo nela os primeiros movimentos para reinventar a minha vida, como uma espécie de ritual de transição. Digo isso porque, normalmente, costumo ter esses surtos de organização quando começo a sentir na rotina aquele peso que deixa tudo lento, que atrasa o passo, que desanima: o peso do desnecessário.

É  então que desembesto a encher sacos e mais sacos com a maior satisfação. Não deixo escapar nada. Faço com os objetos aquilo que, no fundo, queria  fazer com tudo o que já não me serve mais. E lá se vão os papeizinhos que se multiplicam nas minhas bolsas e carteiras – papel parece que dá cria. Os medicamentos e cosméticos vencidos. As maquiagens já no finzinho. As roupas já muito gastas. Aqueles equívocos de consumo que nunca deveriam sequer  ter entrado no armário. O vestido que comprei no dia de São Desconto  e usei no de São Nunca.

Olho, com prazer, o espaço vazio que vai se formando. Enxergo, numa lista clara, tudo o que preciso para preenchê-lo. Espero, sinceramente, conseguir fazer o mesmo dentro de mim. Encher sacos vazios imaginários com um montão de velhos rancores, medos, hábitos ruins, certezas ultrapassadas. Preencher esse novo espaço livre no coração com emoções melhores, mais dignas do lugar que ocupam. Ter cada vez mais para preservar e menos para descartar.

Pois entre o que vai e o que vem, tem aquilo que merece permanecer. As mais preciosas jóias. As nossas melhores lembranças. Já que, no meio dessa peneirada toda, tem sempre outra coisa que também é certeza de passar pelas minhas mãos: o passado. E toda vez que o encontro - naquelas caixas cheias de cartas antigas e velhos álbuns de fotografias - paro tudo e sento no chão. Automaticamente, me desconecto do presente e começo a viajar no tempo.

Dou risada pensando em quem já fui um dia - na infância, no colegial, na faculdade. No que era moda – bom, nessas horas até choro de rir. Em quais eram os problemas, as alegrias e os sonhos de cada época. Fico feliz em lembrar do amor que já recebi. Satisfeita por tanta gente já ter me achado importante em suas vidas. Nunca tive um perfil muito nostálgico, mas esses são alguns dos raros momentos em que me entrego nos braços da saudade. E, enquanto ela me nina, fico lá pensando no vai e vem da vida, que me distanciou de pessoas tão bacanas.

Chego à conclusão que tudo faz parte da Natureza, que muda e se renova. Pois nada que é vivo existe sem se transformar, sem ter seus ciclos, suas renovações. Passamos pelas mesmas estações que fazem as árvores trocarem suas folhagens e, como elas, trocamos de objetos, de sentimentos, de planos. Assim, abandono a nostalgia, e sigo em frente. Pois mesmo que nunca exista um verão igual ao outro, sempre vai existir verão.