Beleza não é ditadura

Uma meta: me livrar desses olhos de photoshop. Aqueles que vasculham a própria imagem procurando o que precisa ser consertado. Estou, oficialmente, cansada dessa autochatice.

Não, não. Nem penso em deixar de ser vaidosa. Todo esse ritual de cuidados femininos com a aparência sempre me fizeram muito bem.  Dedicar um tempo para praticar essas pequenas vaidades são muito eficientes para levantar o meu astral e funcionam como uma espécie de carinho que eu dedico a mim mesma. Um agrado merecido.

Ser vaidosa é muito gostoso. Exageradamente vaidosa, um saco. Porque se sentir bem consigo mesma é bom. Mas sentir que nunca nada tá legal o suficiente vira uma cruz. Uma coisa penosa. Uma distorção da autoimagem. E a vida é curta demais pra gente gastar tanto tempo não se aceitando. Tanto tempo buscando uma perfeição discutível. Tanto tempo esperando pra se sentir segura e feliz consigo mesma.

Tenho uma cicatriz grande, que cobre todo o peito do meu pé esquerdo. Sequela de um acidente que sofri na adolescência. Levei muito tempo pra aprender a lidar com isso. Aprender a ir a praia, ou a fazer coisas triviais como as unhas do pé no salão, sem vergonha de expor essa pele diferente, que causa tanta curiosidade nos outros. Levei mais tempo ainda pra entender que essa cicatriz nem estava no meu pé, mas dentro de mim. Na maneira de enxergar e lidar com esse problema estético. Afinal, eu não me resumo a uma cicatriz, ou mesmo a um pé. Ninguém se resume às suas imperfeições, tão relativas pra quem as observa.

Levou tempo pra curar a cicatriz de dentro. Para  olhar em volta e ver que o sol da praia era pra todos. Pra quem não tem cicatriz no pé, pra quem tem cicatriz, ou até mesmo pra quem ficou sem pé. Pra parar pra pensar que existe um monte de gente que sai de casa todos os dias com suas “cicatrizes”, que podem ter nomes diferentes, como vitiligo, acne severa, obesidade, albinismo, estrabismo, amputação, e mais um monte de coisas que não cabem nos padrões de beleza vigentes.

Todas essas pessoas travaram, ao longo da vida, uma batalha contra a insegurança. Lutam diariamente para se sentirem confiantes diante do próprio espelho e também, dos olhares curiosos, julgamentos ou, em alguns casos piores, das piadas e apelidos maldosos. A maioria dessas pessoas têm uma vida normal e trabalham, se divertem, se apaixonam. E por que deveriam desistir disso tudo?

Acho super bacanas as novidades que a medicina pode trazer para nos ajudar a ter uma melhor relação com a nossa imagem. De verdade. Mas aprendi que nada disso funciona, se a gente não aprende a se enxergar de outra forma. Um cirurgião pode até corrigir algo que nos incomoda no nosso corpo, mas ele não vai conseguir corrigir nossas emoções, nosso olhar, a maneira como a gente se percebe.  Não existe mágica nesse sentido. Portanto, cuidar da aparência e aprender a gostar de si são duas coisas diferentes. E se os dois não caminham juntos, até o ser mais belo do universo pode sofrer com problemas de autoestima.

Se beleza é um conceito relativo, não vai existir uma régua universal para medi-la. E nem tem que existir. A beleza que você tem é aquela que você acredita ter, a que você se permite enxergar. O mesmo vale pra quem te enxerga. O que o outro vai perceber da sua beleza é uma impressão particular e única. Diga-se de passagem, muito influenciada pelo significado que você passa a ter para a pessoa. Ao invés de buscarmos nossos defeitos no espelho, poderíamos ter olhos treinados também para reconhecer nossas belezas, valorizar nossas identidades e nos aceitarmos em nossas individualidades.

Afinal, beleza não precisa ser encarada como uma ditadura, um molde no qual todos temos que caber, mas sim uma democracia que divide opiniões e preferências. Ninguém jamais será bonito pra todo mundo. Mas todo mundo é bonito pra algumas pessoas. É assim que funciona, no final das contas. Então, pra que sofrer?