Quanta maldade

Não sei se ele veste Prada. Se gosta de Rolling Stones. Se é Al Pacino, a Elizabeth Hurley em diversos looks vermelhos, ou aquele pestinha que acabou com a sua festa.

Acho que se o Diabo existir mesmo, ele não está a favor, nem contra palestinos ou israelenses, ele também não liga pra quem vai ganhar as eleições em outubro, ou para a Copa do Mundo, ele não tá nem aí. O Diabo - da maneira como eu o imagino - não deve ser um cara que toma lados, só aquele que quer ver o circo pegar fogo mesmo. Aquele que põe lenha na fogueira.

Sua diversão, como todo mundo sabe, é tirar uma com a nossa cara, os humanos. Ele adora provar que a gente não vale nada. Deve assistir os noticiários dando risada. Não precisa nem ser muito criativo em seus planos para nos desmoralizar. Com meia dúzia dos mesmos truques de sempre, tem sucesso garantido.

Porque as pessoas são tolas mesmo. Acreditam que seus inimigos são sempre outras pessoas, outros povos, culturas, religiões, gêneros. Quando o verdadeiro inimigo, de todos nós, sempre foi o mesmo: a maldade. É ela contra todo mundo. Obra de quem? Bem, isso é questionável....

Se o chifrudo tem vários nomes  – aliás, não sei nem se ele é chifrudo mesmo - a maldade, que é seu “poder”, também tem. São variantes daqueles sete pecados, dos quais todo mundo já ouviu falar. Assim, penso nessa figura mais como um carcereiro que nos aprisiona em todas as nossas aspirações mundanas. Quer esse padrão de vida ultra luxuoso? Ok, mas vai ter que cortar um dobrado pelo resto da vida para mantê-lo.

Viajando um pouco mais nessa maionese, quando imagino esse ser das trevas, que ganhou interpretações em uma porção de histórias, músicas e até filmes de Hollywood – e por que não no meu imaginário? – não o vejo com super poderes para tocar o terror por onde quiser. Não. Acho que ele só pode “brincar" com limitações severamente impostas. Pra mim, ele depende da gente pra fazer o que não presta. Pra ocupar espaço no mundo, ele precisa primeiro ocupar lugar em cada um de nós - ou nós nele, como uma pele que vestimos de vez em quando. Pois talvez o Diabo não seja sequer algum tipo de ente, mas sim um arquétipo, um modelo, uma ideia. Uma ideia infecciosa que precisa se instalar em um hospedeiro, para só então poder se espalhar por aí.

Tem sido assim, por todo tempo e espaço. Em qualquer lugar do mundo, em qualquer período da história. Nós repetimos os mesmos erros de sempre. Nos deixamos enganar. Seu velho golpe para roubar nossas virtudes é manjado: fazer com que a gente confunda um sentimento pelo outro. O exemplo dos exemplos é quando passamos a achar que justiça é sinônimo de vingança, de revide, de “devolver na mesma moeda”.  Essa é fácil de cair.

Quantas causas justas se desenrolam numa história de ódio e raiva intermináveis, insaciáveis? Vendemos nossas almas sem sequer nos darmos conta – na minha imaginação, o danado é expert em fazer com que a gente deixe de servir nossos próprios propósitos (um dia dignos) para servir os dele (sempre terríveis). Pois, a maldade nos escraviza e nos cega. As nossas vitórias passam a ser as suas. Nossas glórias, seu triunfo, a cada valor sacrificado ao longo do caminho, em nome de um fim que os meios nunca justificam.

Nos convencemos que o justo só deve ser praticado com quem é justo. Que a bondade, só deve ser oferecida a quem é bom. Que nada de correto que se aplicaria a nós mesmos, se aplica a gente tão “ruim”.  Porque a maldade sempre nos convence que justiça é um privilégio de poucos. Ela nos faz adotar muitos pesos e muitas medidas.

Ela nos ilude com a ideia de vencer. Vencer uma guerra, vencer na vida, vencer uma briga com o seu vizinho. Quando vitória mesmo  é conseguir chegar até o fim da vida com valores intactos, quem sabe fortalecidos., independentemente de resultados. Ghandi morreu assassinado. Mas revolucionou a história do seu país sem trair princípios. Os fins estão sempre nos meios. O sentido da vida está sempre no “como”, pois seu propósito é nos melhorar.  O nobre deixa o exemplo, a inspiração, a reflexão que lapida o caráter. Aquele que se desvirtua deixa a corrupção de herança, a consagração do erro.

Nós declaramos guerra ao outro quando não somos capazes de vencer uma guerra dentro de nós mesmos, todos os dias. O mundo é só um reflexo daquilo que a gente acredita.

Se o Diabo existe mesmo, nem acredite nele.