Tirando cartas

Quando eu tinha uns vinte e poucos anos adorava cartomantes. Foi uma fase, normalmente motivada por alguma paixão momentânea e meio bobinha. Consultava essas profissionais leitoras do futuro pra saber se fulano, ciclano ou beltrano iriam namorar comigo, se havia alguém de quem eles gostavam, se eram os homens da minha vida.

A maioria respondia um montão de coisas que nunca correspondiam a realidade. Ou não tive boas indicações, ou era tudo baboseira mesmo. Com o tempo, desencanei. Até peguei uma certa aversão do assunto. Nunca mais consultei nenhum tipo de profissional da sorte desde então. Cheguei a conclusão de que o futuro pertencia ao futuro e que saber dele antecipadamente, mesmo que numa previsão verdadeira, não ajudaria em nada. A gente muda todo dia - de opiniões, de ideias, de desejos. Então, esse tal futuro pertencia a uma pessoa que eu ainda não era e, portanto, não teria a capacidade de compreendê-lo ainda.

Mas havia uma coisa nessa história toda que sempre acabava permanecendo. Um certo encanto pelas cartas de tarot. Não era mais o meu futuro o que me intrigava. Eram os nomes, os números e, principalmente, as ilustrações que me deixavam curiosa. Sempre gostei de histórias e cada carta parecia contar a sua. Uma história antiga, feita de episódios que poderiam ter feito parte da vida de qualquer pessoa que já existiu.

Em algum lugar dos meus vinte e poucos anos, comprei um baralho de tarot, que vinha acompanhado de um livro, com explicações sobre todos os arcanos maiores. Acabei compreendendo - superficialmente - o significado da maior parte deles.

Uma das minhas melhores (e mais antigas) amigas, colaborou para o meu aprendizado. Ela é aquele tipo de pessoa que, desde menina até hoje, sempre gostou de estudar religiões e filosofias, além de ter uma vasta biblioteca sobre astrologia e uma certa atração pelo baralho. A sua maneira, é alguém que busca respostas para questões existenciais. E acho que essa é a maior afinidade que tenho com ela. Sempre tentei entender melhor a vida, seus propósitos, suas lições.

Isso durou alguns anos e resolvi jogar tudo fora. Rejeitei a minha curiosidade pelas cartas. Passei um tempão sem tê-las. Não adiantou nada. De uma maneira, ou de outra, essa tendência continuava se manifestando. As cartas não estavam mais na minha gaveta, mas lá estava eu enxergando seus simbolismos em livros, filmes e notícias. Elas são, afinal de contas, ferramentas de leitura e exercitam, portanto, nossa capacidade interpretativa, nossa sensibilidade.

Ao longo da vida, sempre fui aconselhada a exercitar minha sensibilidade." Ouça sua voz interna". Ouvi esse tipo de conselho de pessoas muito diferentes e por razões também variadas. Para minha terapeuta, essa voz representa um repertório de memórias e aprendizados, que afinam nossa intuição na hora de decidir se um caminho é bom, ou se estamos prestes a embarcar em uma canoa furada. Em outras palavras: esta seria a voz da experiência te prevenindo de escolhas desastrosas.

Pensei comigo, que talvez o tarot, de certa forma, também seja um conjunto de memórias e um repertório de aprendizados. Com a diferença de não ser baseado na nossa própria experiência individual, mas (talvez) em um conjunto de experiências que foram se repetindo nas vidas de uma porção de gente, dando origem aos seus arquétipos.

Então, por esses dias, resolvi comprar um novo jogo. Não ligo mais para o futuro. Uso as cartas para exercitar a minha capacidade interpretativa. Para refletir sobre o presente. Para estimular minha criatividade, quando as ideias faltam. Para estimular a minha voz interior a dar seus pitacos, novamente.